A origem do nome “Sport Lisboa e Benfica”

“Percebemos que algo de errado se passa com as nossas universidades quando constatamos que está por fazer um estudo sério sobre o nome do Sport Lisboa e Benfica.

Já nem falo do clube inteiro,que exige tese muito alargada; eu não pedia mais do que um ensaio cuidado sobre o nome.

Outros clubes têm nomes simples, pouco ou nada resistentes à compreensão, mas ‘Sport Lisboa e Benfica’ gera no hermeneuta mais distraído uma perplexidade imediata: porquê a particularização ‘Lisboa e Benfica’ se Benfica faz parte de Lisboa?

Gostaria de propor uma hipótese de explicação. Antes, talvez seja importante registar que não é só o nome do Benfica que coloca obstáculos à interpretação e provoca mal-entendidos.
A maior parte das pessoas, leitor amigo, julga que E pluribus unum significa ‘E Todos por Um’.
A própria Benfica TV tem um programa chamado E Todos por Um, cuidando estar a citar o lema do Benfica quando está na verdade, a citar o dos mosqueteiros.

Unus pro omnibus, omnes pro uno, sim, significa ‘Um por todos, todos por um’.
E pluribus unum quer dizer, na verdade, ‘De muitos, um’.

Parece que os rapazes que, naquele dis 28 Fevereiro de 1904, fundaram o clube que hoje conhecemos por Sport Lisboa e Benfica já sabiam, à distância de mais de um século, que os benfiquistas viriam a ser muitos, e que uma das suas principais grandezas seria também uma das maiores dificuldades: desses muitos, fazer um.

Dificilmente os milhões de benfiquistas formam uma unidade. Há ricos e pobres, feios e bonitos, gordos e magros, inteligentes e ligeiramente menos inteligentes.
À primeira vista terão, no máximo, uma coisa em comum: são pessoas que vestem bem, pelo menos em dia de jogo.

Aquelas camisolas vermelhas ficam bonitas em qualquer fisionomia. E todos gostam de uma coisa chamada Benfica, mas têm dificuldade em entender-se sobre que coisa, ao certo, será essa e qual é a melhor maneira de a amar.

Há dias, um jornalista perguntava a uma velha glória do Benfica o que era afinal, a mística.
O antigo jogador, sabendo que se estava a entrar no campo do inefável (e são conhecidas as dificuldades que os futebolistas têm com o ‘fável’ - palavra que julgo ter acabado de cunhar -, quando mais com o inefável), optou por uma resposta concisa: ‘A mística’, arriscou ele, ‘a mística é ganhar’.

É uma boa resposta, embora incompleta. A mística não é só ganhar. A mística é ganhar à Benfica. E ganhar de uma maneira que faz com que todos, adversários incluídos, saíam do estádio a dizer: ‘Cáspite!, isto é que foi ganhar!’, assim mesmo, com a interjeição ‘cáspite!’ metida ao barulho.

É ganhar mesmo depois de se estar a perder por muitos, como se estivesse escrito em algum lado que se ia ganhar desse lá por onde desse.
É ganhar à bruta, à campeão.

E é ganhar empurrado pelo sofrimento de muitos.

As vitórias partilhadas por milhões é que despertam a mística.

Retomemos, então, a pergunta inicial: porque é que um clube cuja vocação é extravasar os limites da cidade em que foi fundado para agregar milhões em todo o mundo manifesta no nome a intenção contrária - e absurda - de partir da cidade para uma pequena freguesia?
Porque digo eu, em ‘Sport Lisboa e Benfica’, a palavra ‘Benfica’ não designa a freguesia com 7,94km2 de área e 38.523 habitantes.

Benfica já era uma metáfora no nosso emblema antes de o ser nos livros de António Lobo Antunes.

Benfica significa Europa, mundo, universo.
Sport Lisboa e Benfica quer dizer: ‘Aquilo que começa em Lisboa e não tem fronteira para acabar’.”

Ricardo Araújo Pereira, in Mística

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